quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Gente pobre é caprichosa...

O primeiro livro do escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado quando o autor tinha 25 anos, já dava prenúncios da geniosidade e a grandeza que viria a ser sua obra. Em 1845, através de um romance epistolar, Dostoiévski dá voz aos miseráveis, humilhados e ofendidos de sua época e toda a indignação, os percalços e os anseios que os protagonistas vivem.

O que fica em evidência na obra, é o progresso no estilo das cartas de Makar Diévuchkin, funcionário menor de uma repartição pública de Petersburgo (logo, pouco iletrado) trocadas com sua vizinha Varvara Alieksiêievna, uma jovem órfã injustiçada, que elucida seus sentimentos e transtornos através da troca de missivas e um diário pessoal:

"(...) E então pensei que pessoas como nós, Várienka, que vivem sempre em meio a tribulações e sobressaltos, também deveriam invejar a felicidade despreocupada e inocente das aves do céu. "


"(...) acontece mesmo de a pessoa viver sem saber que ali, do lado dela, tem um livro no qual toda a sua vida está exposta como os dedos da mão. E coisas que antes, por si mesma, não havia sido capaz de adivinhar; aí, assim que começa a ler num livro desses, já por si mesma vai aos poucos recordando, descobrindo e adivinhando tudo. "



Influenciado pela escola literária vigente na época - que fazia alusão ao protesto social, e criticava as condições de injustiça que a população russa vivia - Dostoiévski vai fundo na crítica social, na análise do porquê de uns serem determinados a mandar, àquele a obedecer. A religião e a figura de Deus também é um forte alento para àquela população desfavorecida.

"(...) uma pessoa pobre é pior que um trapo e não é digna de nenhum respeito da parte de ninguém. Porque num homem pobre, na opinião deles, tudo deve estar virado do avesso; porque ele não deve ter nada de secreto, nenhuma vaidade que seja, de jeito nenhum! (...) até mesmo a caridade é feita de um modo esquisito. "

"E depois a gente rica não gosta de ouvir os pobres se queixando de sua má sorte - dizem que incomodam, que são impertinentes! a pobreza é sempre impertinente mesmo - talvez porque seus gemidos famintos lhes perturbem o sono!"



A partir do meio do livro em diante, Makar expõe sua visão sobre os contos "O Capote" e "O chefe da estação", de Gogól e Púchkin, respectivamente, influenciadores convictos da literatura russa. Apesar de criticar contundentemente a sociedade russa da época, se trazermos para a atualidade esse romance atemporal, podemos verificar como os pobres e a classe baixa são vistos pela grande mídia, de maneira hedionda, servil, e inapta à privacidade.

Através dos acontecimentos da morte de um personagem, da pobreza infantil, de empréstimos frustrados, e de um casamento inesperado, Dostoiévski se mantém cético e realista até a última linha do livro, e dá indícios do que estaria por vir: um autor extremamente engajado com a alma humana, que a destrincha perfeitamente, planando nos opostos de liberdade e opressão como ninguém.

Pra finalizar, outras pérola deste autor que também influenciou o niilismo: "Tenha fé em Deus. Ele há de fazer com que tudo se arranje para melhor. "

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